Narciso (bem que se quis)


Era daquelas festas que a gente costumava a fazer de tempos em tempos, abundancia de bebida, cigarro e drogas, a gente não se importava com a vizinhança, com a polícia que sempre invadia e com os copos quebrados. Eu era feliz nisso tudo e famoso nisso tudo, o que a gente gostava, fazia bem. Ela já não era tão assim, também era famosa, e também parecia que gostava daquilo, mas tinha algo diferente, talvez porque fosse mulher e se perfumava, ou porque de vez em quando vestia roupas passadas e caras. Talvez também fosse porque ela era tão parecida comigo, que não havia razão para eu me apaixonar. Espécie de narcisismo ou qualquer coisa parecida, ao mesmo tempo que era tão agradável ter alguém tão parecido, era desconfortável a sensação de espelho, mas alem da sua pele lisa e do seu cabelo, havia aquele mistério de menina-mulher, ela dizia foda-se com a certeza de que se importava o bastante com todos, não transparecia todas emoções, embora me olhasse toda vez com aqueles olhos furtivos, ela disse que não tinha certeza de nada, mal podia esperar, pensei em não insistir mais, mas já havia dito tanto isso que não havia mais sentido.

“Afastei o copo e a garrafa de vinho para tocar sua cabeça, mas inter¬rompi o gesto em meio e fiquei com a mão suspensa sobre seus cabelos. Ela pareceu perceber, pois ergueu os olhos assustada, sem fazer nenhum outro movimento. Cheguei a pensar então em não insistir mais, disse para mim mesmo repetidas vezes que talvez fosse melhor para nós três que eu saísse imediatamente dali para não voltar nunca mais. Mas qualquer coisa me obri¬gava a permanecer.”


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